Ao editar o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), o legislador enfatizou a responsabilidade dos pais no
exercício do poder familiar: zelar pela guarda e proteção dos menores em suas
atividades do dia a dia. Com esse fundamento, a Primeira Turma do Superior
Tribunal de Justiça (STJ) atendeu a recurso do Ministério Público de São Paulo
(MPSP) para cassar portaria que instituía “toque de recolher” em uma avenida de
Fernandópolis (SP).
Para o ministro Teori Zavascki, o ECA
restringiu expressamente o poder do juiz de editar normas de caráter geral e
abstrato, reservando tal competência ao Poder Legislativo. O Código de Menores,
de 1979, concedia mais poder ao magistrado, ao autorizar a fixação de normas
gerais necessárias à assistência, proteção e vigilância ao menor.
Código de Menores
“Na vigência da lei anterior, a
autoridade judiciária devia regulamentar, por portaria, o ingresso, a
permanência e a participação de menores em espetáculos teatrais,
cinematográficos, circenses, radiofônicos e de televisão, devendo, ainda,
baixar normas sobre a entrada, a permanência e a participação de menores em
casas de jogos, em bailes públicos e em outros locais de jogos e recreação”,
ilustrou o relator.
“O juiz de menores podia ainda
estabelecer regras a respeito de hospedagem de menor, desacompanhado dos pais
ou responsável, em hotel, motel, pensão ou estabelecimento congênere, tendo em
vista as normas gerais dos artigos 50 a 58 do Código de Menores, levando em
conta as condições sociais da comarca e os malefícios a essas pessoas em
formação”, completou, citando voto anterior em caso similar. O ECA, porém,
mudou essa situação.
Função
jurisdicional
O ministro destacou que a portaria
mencionada no ECA é atípica, por ser de exclusividade do Poder Judiciário em
sua atuação jurisdicional e sujeita a recursos. O ministro destacou também que
a portaria não se constitui em liberalidade do juiz. “O legislador estatutário
vinculou sua expedição a cada caso concreto, vedando determinações de caráter
geral”, sustentou.
Conforme Zavascki, o ECA retirou do
juiz atribuições não jurisdicionais, como as ligadas à criação, implantação e
provocação de políticas públicas, agora delegadas a órgãos como os Conselhos
Tutelares e Ministério Público e Poderes Legislativo e Executivo.
“O ECA criou as condições necessárias
para a adequação da função jurisdicional às suas características originárias,
conferindo a outros atores atribuições antes exercidas pelos magistrados, além
da possibilidade de estes provocarem a jurisdição, através de processo regular”,
afirmou o relator.
Poder familiar
Para o ministro Teori Zavascki, o
poder do juiz da infância e adolescência de emitir portarias fica limitado aos
exatos termos do artigo 149 do ECA, só sendo possível disciplinar através de
tais portarias a entrada de crianças e adolescentes desacompanhados em certos
locais públicos ou a participação de crianças e adolescentes em certos eventos,
desde que as normas atendam a critérios predeterminados nesse artigo, sejam
fundamentadas e não possuam caráter geral.
“O que ocorre com o Estatuto é que o
exercício do pátrio poder foi reforçado. Exemplo: antes pai e mãe só podiam
frequentar certos lugares com os filhos se o juiz de sua comarca o julgasse
adequado. A legislação anterior autorizava o juiz a agir como se fosse o
legislador local para esses assuntos, expedindo portarias que fixavam normas
sobre o que os pais podiam ou não fazer nesse terreno”, explicou.
“Ou seja, o juiz era autorizado, por
lei, a interferir no exercício da cidadania dos pais em relação aos filhos. O
juiz era quem autodeterminava no lugar dos pais! Agora, cabe aos pais
disciplinarem a entrada e permanência dos filhos, desde que os acompanhem”,
concluiu.
Processos: REsp 1292143
Fonte: STJ (22/06/12 - 17:31)
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