A carreira do professor de Biologia
sergipano Carlos Christian Gomes, de 33 anos, foi interrompida por um
episódio trágico em agosto de 2014. Insatisfeito com a nota de uma
prova, um aluno, de 17 anos, disparou cinco tiros contra o professor.
"Não consigo entender como, por um motivo tão fútil, ele tentou tirar minha vida", disse à BBC Brasil.
Christian,
que também é biomédico, lecionava em uma escola da rede estadual na
grande Aracaju, em Sergipe. Uma semana após o incidente, o aluno se
entregou à polícia e confessou o crime. Ele foi condenado e deve cumprir
pena máxima de três anos em uma unidade de correção de menores. O
professor está paraplégico e recebe tratamento para superar o trauma
físico e psicológico.
Apesar de ter sido vítima de agressão pela
primeira vez – em dez anos como professor da rede estadual de ensino –,
Christian diz que ameaças verbais a professores são comuns e afirma que a
falta de participação dos pais contribui para violência nas escolas.
"Muitos
pais dizem que trabalham o dia todo e deixam a responsabilidade de
educar pra a gente. Mas, se os pais não educaram, não vou conseguir
educar em um semestre", disse.
"Um exemplo típico é um pai ou mãe
não orientar seus filhos a estudar para as provas e fazer suas tarefas
de casa. Quando chegam à escola, eles são cobrados e não aceitam essa
cobrança porque, em casa, onde deveria ser educado, ele não cumpre suas
obrigações."
A violência contra os professores foi tema de uma
série de reportagens da BBC Brasil em preparação para as eleições de
2014. O caso do professor foi destacado por leitores em nossas páginas
de redes sociais como um símbolo do problema.
O tema ficou ausente
dos debates entre candidatos aos governos estaduais e à Presidência,
mas casos como o de Christian continuaram surgindo no noticiário. Na
semana passada, a diretora de uma escola pública em Belo Horizonte foi
agredida por um aluno de 16 anos com uma barra de ferro.
Há cerca de um mês, outra diretora, dessa
vez de uma escola em São Paulo, teve de se afastar do trabalho após ter
sido agredida pelo pai de um aluno, que a deixou com hematomas no
braço.
Longe da sala de aula
Em
dezembro, cerca de três meses depois do incidente que deixou Christian
paraplégico, outro aluno entrou armado no mesmo colégio, a Escola
Estadual Professora Olga Barreto, em São Cristóvão, na grande Aracaju.
De acordo com a mídia local, o aluno ameaçou um colega de morte, mas deixou a escola antes que a polícia chegasse.
"Quando
o caso passou na televisão aqui em casa, eu comecei a tremer e a
chorar. Nunca fui assim, nunca fui tão emotivo", contou.
Após 78
dias no hospital – 38 deles na UTI –, ele diz que se considera bem de
saúde, apesar da lesão na medula que o deixou sem movimentos do peito
para baixo. Christian faz fisioterapia três vezes por semana, mas
precisa de ajuda para realizar atividades básicas.
Apesar de torcer por uma recuperação rápida, no entanto, ele diz não pensar em voltar às salas de aula do Ensino Médio.
"Me sinto inseguro em ficar de costas em uma sala de aula. Confiar no inesperado pra mim é desesperador", disse.
"Me
interessei pela profissão porque sempre gostei de passar conhecimento
para as pessoas. Ainda quero fazer isso, mas de outra forma. Quem sabe
no curso superior", disse Christian, que vem de uma família de
professores.
Christian diz que professores convivem diariamente na rede pública
com ameaças de agressão feitas por alunos, especialmente em bairros mais
violentos.
"Ameaças verbais e ousadia dos alunos acontecem em
todo lugar, até em colégio particular. Mas, nas escolas particulares,
não acontecem ameaças de morte. Nos colégios do Estado, isso é comum.
(As ameaças são) de alunos para professores e funcionários ou entre dois
alunos."
O professor, no entanto, disse nunca ter tido problemas
até aquele momento – nem com o rapaz que tentaria matá-lo. "Às vezes, um
ou outro aluno queria chamar a atenção enfrentando os professores, mas
nunca cheguei a me sentir ameaçado, achando que era apenas coisa de
adolescente."
Hoje, no entanto, a sensação é outra. "Minha mãe,
que era professora, já se aposentou, mas penso em minha irmã e meus
primos, que ainda estão ensinando nas escolas públicas".
Desvalorização
A
"desvalorização" da profissão por parte do poder público impede "a
criação de uma estrutura de segurança para a profissão", afirma o
professor.
"Boa parte das escolas públicas do Estado de Sergipe,
onde leciono, não tem estrutura física. São muros quebrados ou caindo,
portões quebrados, salas de aula sem portas. Isso já gera uma total
falta de segurança para professores e alunos."
"No dia da
tentativa de assassinato contra minha pessoa, o aluno armado entrou e
saiu pela porta da frente da escola sem nenhum impedimento”, afirma.
"Acho que o Estado poderia colocar vigias e dar estrutura física para as
escolas. E para os alunos, acompanhamento diário de psicopedagogos."
Após
o ataque a Christian, a Secretaria de Educação anunciou uma comissão
permanente de acompanhamento da violência nas escolas, formada pela
Secretaria de Educação, professores, pais, funcionários não docentes e
estudantes.
Desde então, segundo o diretor do Departamento de
Educação da secretaria, Manuel Prado, foram realizados encontros de
formação e orientação com diretores de escolas, com professores e com
alunos. Ele afirma também que a secretaria visitou 20 escolas em todo o
Estado que apresentaram maiores índices de violência.
Christian,
por sua vez, também defende a redução da maioridade penal para 16 anos e
pede que "escolas abertas" sejam implantadas em rede estadual.
"Seria
importante que a escola tivesse mais abertura para a comunidade,
fazendo mais reuniões com os pais durante a semana, permitindo que as
pessoas pratiquem esportes nos fins de semana. Atualmente, não tem tanta
abertura."
Fonte: BBC