Quando entro na escola do meu filho e vejo aquelas crianças todas
brincando meu coração sempre enche de esperança. Não paro de sorrir para
aquela gritaria fininha, e meus olhos nem piscam ao ver a alegria dos
meninos e meninas correndo para cima e para baixo, absortos em suas
próprias fantasias, brincadeiras e sonhos, sem ter a menor ideia das
guerras rolando atrás da jabuticabeira linda colada ao muro da educação
infantil.
Mas fiquei chocada, semana passada, ao ver que o ódio,
esse sentimento comezinho, adulto e detestável, tinha sim pulado o muro e
sentado no gira-gira do parquinho das crianças. Tinha invadido também a
aula de artes, esse lugar sagrado onde nossos filhos desenham o céu, as
nuvens e colam lantejoulas amarelas no sol, para que fique com o brilho
igual ao de suas fantasias.
Ninguém deveria ter deixado isso acontecer. Pior do que assistir à invasão bárbara é comemorá-la. “Meu
filho, meu maior orgulho. Gui se manifestando na aula de artes. Vamos
para as ruas domingo, vamos lutar por um país digno para as nossas
crianças”, escreveu um pai semana passada em seu Facebook, ao compartilhar, orgulhoso, um desenho de seu filho feito na escola.
Não
sei quem é esse pai, a pessoa que compartilhou na minha timeline teve o
cuidado de não expor a identidade desse homem. Sabemos apenas que ele é
o pai do Gui. Não conheço tampouco a professora do Gui e a escola do
Gui mas, espero de todo o coração, que ambas tenham ficado chocadas a
ponto de chamar essa família para conversar.
Um menino que
senta em sua mesinha, coloca um avental e, em vez de desenhar e pintar o
Ben 10 ou Homem Aranha, retrata a Presidenta e o ex-Presidente da
República com ferimentos no peito, sangrando, ao lado das frases “Morre
Diuma” (sic) e “Morre Lula” precisa de ajuda. E rápido.
O
Gui deve ser como todas as crianças. Gosta de super-heróis, adora um
Lego. E muitas vezes, deve ser retirado de seu mundinho paralelo de
brincadeiras para correr para a varanda e gritar uns palavrões
horríveis, como “puta” e “vagabunda” enquanto seus pais batem panelas.
“Mas a mamãe e o papai não disseram que é feio falar palavrão?”, pensa.
Pensa, mas não diz, porque nessa idade eles aprendem tudo o que a gente
faz, como esponjas, quase sem questionar. Aos poucos o Gui está
aprendendo também que se pode fazer justiça com as próprias mãos quando
ouve o pai dizer que “tem que matar esse bando de petistas!” Também fica
confuso quando a mãe xinga uma mulher que está de vestido vermelho na
rua: “Mas vermelho não é só uma cor?”, pensa. “Mas se a mamãe está tão
brava deve ser uma cor horrível”, conclui.
Salvem o Gui, salvem
os nossos filhos. Não deixem que eles acreditem que desejar a morte de
uma pessoa é normal. Não deixem que eles acreditem que xingar uma mulher
de puta e vagabunda é aceitável. Que espancar alguém que veste vermelho
é um comportamento admissível. Ele e os nossos filhos têm que aprender
que todos podem lutar pelos seus ideais, mas dentro da lei. E que urrar,
babar e matar é coisa de bicho, não de homo sapiens.
Por RITA LISAUSKAS -
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